sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Era uma sala enorme onde perdia os dias enrolada na névoa que morava lá fora. O vento batia na janela como a força do amante que atira a pedra para anunciar a sua presença. Mas o ruído era apenas o de um embalar triste e arrastado que lhe fazia companhia ao riso. Lentamente substituía  as imagens por meras silhuetas objectivas e delineadas; e enquanto enfrentava este cessar num deixa andar inquietante, a tortura era imposta de forma baça na pupila que outrora fora ela.
Bem devagar surgiam os primeiros agudos que estilhaçavam a forma de ouvir ao longe o agonizante grito das gaivotas.
Perdeu-se a textura do sangue que voluntariamente insistia em correr e ficar espesso no corpo mole e desfigurado. Coisas que acontecem à beleza que arde e finda em cinzas; desconhecidas e irreconhecíveis.
Ninguém saberia o sucedido não fosse a tormenta de um espírito mais inquieto e disponível à glória desta arte.
Enchia um copo em ritual de quem enche um corpo; e é extraordinário como ambos caem na desgraça de uma gargalhada forçada pela fachada de um rótulo, ainda que credível.
Já passaram semanas e ainda aqui com a força dos dedos na cortiça imóvel e inanimada que lhe parece ser o mais forte dos rivais. As golpadas invertem qualquer tentativa em degustar o banquete; e é amargo e chega a ser ácido o cheiro inalado e travado no já gasto deambular das horas. Passo a passo sente o peso do corpo que definha no ronronar já passado das dádivas eternas. É um peso que pesa de dentro para fora, é um peso morto por dentro, é o peso de dentro que manda o peso de fora perder-se. Pesada cai e num impulso instintivo não mais se levanta. Fica enrolada em si no chão daquela sala enorme, onde as paredes ganham vida e avançam para lhe oferecer protecção tumular. Tristes ficam os dias e perdidas as gaivotas que se atiram como pedras à janela da sala que deixou de existir.
Pressa, tanta pressa tem agora o amante em chorar!

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