sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Assassínio em massa

Numa noite, daquelas em que apenas o vento se aventura a passear sozinho, estavam dois homens (mais gastos por dentro do que por fora) sentados em bancos igualmente altos em extremos de um mesmo balcão. A luz era velha, como a puta, amarela do tempo passado no fumo daquele cadeirão decadente de bar de princípio de século. Os homens eram alheios ao ambiente rotineiro, mas de olhos profundos no copo.
Nada parecia estar fora do lugar, nem a puta.
As horas passavam religiosamente marcadas pelo relógio desproporcional. Eram pesadas, lentas, até usadas. Mas aquele era o único sítio aberto para aquecer o âmago. Existiam, ali, sempre grandes e calorosas conversas; aliás era esse o princípio indispensável da rotina; mas sem os presentes conhecerem o som da voz do outro que enchia a sala. Apenas a gargalhada da puta fazia companhia ao ruído do vento. Talvez por isso os seus corpos se acomodassem nas extremidades do triângulo que dava a sua geometria ao bar.
Mas a noite revelou uma magia mal intencionada. Uma sede desmesurada. Uma geometria que deixava o triângulo amoroso no plano da miragem.
As coisas ganharam uma vida própria, a rotina já não as controlava; nem as gargalhadas dramáticas da puta os devolviam à realidade habituada.
Alguma coisa acontecerá naquele lugar de película riscada.
Nada estava fora do lugar, mas o curioso é que nem a puta soava.

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